18.11.05

É o meio do dia, o sol a pino. Dispo-me. Estou despido. Estou nu. E nu, serei ainda um guerreiro? Ou apenas um homem? Ou um guerreiro é nada mais que um homem? — de uma vez por todas.
Seja como for — a questão é sempre outra —, nu, sob o sol a pino.
Possível, deserto, impossível. Necessário, tudo.
Agora danço. Danço e canto. Sou o espírito fugido ao feiticeiro, sou a própria música. Chamo a ilusão:
“Vem, vem. Serpente-cobra, vem. Morde”.
Danço. É preciso, a serpente, a louca nudez ao sol de morrer em chamas, nu, sempre a cantar, sempre a dançar.
Meio do dia, exausto. Mas, finalmente, a cobra ouve, e vem. A sua cauda canta agora comigo — o meu silêncio. E na sua boca, dança-lhe a língua em vaivém, com silvos de perigo. É no seu olhar, no entanto, que me prendo: aquele frio, aquela determinação... Um olhar de deus-fascínio.
Estamos próximos, cada vez mais frente a frente. Reconheço algo do espírito de um guerreiro nesses olhos metálicos e ferozes. Serpente, ouves-me? Vem. Dança comigo. Morde.
E ela vem, agradada de tão faminta entrega. Rodeia-me, quase me roça com a sua pele de escamas de neve. E, de repente, morde.
Dor lancinante, que me derruba. Sinto cada um dos instantes. Só um gesto consigo: o de espalhar pelas minhas feridas vivas, em plena sangradura, os unguentos mágicos.
A cobra desapareceu.
Agora, esperar — em outra espera. Dor, cada vez mais dor. Febre. Sol. Tudo queima. É preciso resistir.

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