12.1.06

Torno a afogar as mãos na areia, fundas e duras, como numa nuvem de secura e oiro. Depois, vejo-me a erguê-las de novo, grandes contra o céu azul-de-fogo, mas a abrirem-se já, esvaziando-se lentamente de tudo, grão a grão, em fios luminosos como diamantes.
E quando, muito tempo depois, a areia finalmente acaba em mim, noto que qualquer coisa dura e pequena me ficou na mão esquerda, retida pelo crivo grosseiro desses dedos imóveis e silenciosos de há pouco. Os meus dedos. Observo-a mais de perto, coisa dura; vejo-a. “Vejo-te, cois pequena”, penso. É um osso. “És um osso”.
E penso: “Isto já foi um animal”. Um homem, talvez. Um qualquer ser vivo. Vida. Outra matéria.
E este osso — que não passa, aliás, de um minúsculo, breve fragmento — faz-me recordar o meu cavalo, que ficou tão e tanto lá para trás, vencido pela sede, pelo calor e pelo cansaço. Penso nos abutres que hão-de vir sobre ele — que já vieram, sem dúvida — , e na sua orgulhosa carne de belo cavalo, que nem tempo vai ter de apodrecer em paz; e penso também naquilo que, enfim, vai restar dele: ossos.
Os ossos, e nada mais, definitivamente impedidos de se afundarem no esquecimento rápido pelo crivo dos dedos da terra, serenos, sedentos.
E é sempre o tempo — espécie de deus — , as infindáveis escadarias que o percorrem. Porque, no fundo, o tempo é lento e numeroso, como todo este mar morto de areia aparentemente viva. Nós, apenas nós, que temos consciência, é que somos demasiado fugazes, no seu seio. Complicados. Precisamente porque temos essa consciência. Porque temos tudo, e Tudo é Nada — o tudo-nada de não nos conseguirmos ver por fora a nós próprios, mas conseguirmos ver os outros, que também nos vêem, mas que não têm a nossa forma de pensar, ou sentir.

1 comentário:

Anónimo disse...

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