16.1.06

Lembro-me ainda de quando eu tinha apenas o tamanho de um dos meus braços de hoje, ou pouco mais, e nada era misterioso, porque, perante mim, o mistério se assumia como a própria essência da totalidade.
Pelo céu, e acima dele, fendendo-o com as suas asas infinitas e poderosas, voava então, solitária, a grande águia de prata. Muitas foram as vezes que a olhei, quando ela passava a caminho das suas secretas missões. Em sonhos de sonâmbulo, via-me igual a ela, ou pelo menos a voar a seu lado, livre, por cima do mundo, e tal fantasia, de algum modo, justificava a minha existência.
Mais tarde, disseram-me:
“A águia é o espírito de deus. Quando ela voa, deus olha para nós.”
Não entendi o significado daquelas palavras ditas num murmúrio, mas calei a minha vontade de perguntas, porque quem falara era muito mais experiente do que eu, devia saber bem o que estava a dizer e não me iria dar, por certo, nenhuma explicação.