19.12.05

Em certas noites suaves, quando estão as famílias todas reunidas, ao redor da fogueira grande, surge, mais elevada que as outras, a voz de um jovem, ou de um homem feito, ou de um velho, e essa voz diz, por exemplo:
“Sonhei isto: eu ia a caminhar junto a um precipício e, de súbito, um pé escorregou-me, e comecei a cair, a cair, e caí para o abismo. Mas enquanto estava nesse apuro, e quando pensava já, se bem que de uma forma difusa, na minha morte tão iminente, nasceram-me umas asas nas costas. Assim, comecei a voar, com tanta naturalidade como se o fizesse desde o instante do meu nascimento, e tornei a subir, até terra firme, e retomei o meu caminho, com maior prudência. As asas, essas, voaram de mim para longe”.
Findo o relato, logo alguém se adianta a explicar o sonho, como se isso o explicasse:
“Foste visitado pelo Espírito dos Viajantes. A Sorte protege-te”.
Assim se sonha o próprio sonho, em longas conversas. Mas será sonho o que se vê sem olhos, quando se está acordado? Terá sido um sonho assim, a minha visão de há pouco? Mais: terei eu tido uma visão? (Quais as diferenças e as semelhanças entre uma Visão e um Sonho?) Ou tratou-se apenas do cansaço, a rodear-me com os véus sedutores do ilusório sono? É que o cansaço trai, e eu fico sem entender se é lícito retirar algum significado concreto destas imagens que por vezes me assaltam o espírito, embotando-me a aparente certeza dos sentidos.
Penso: podem ser os Antepassados a comunicarem comigo, ou o Grande Espírito, ou um dos Demónios, ou o Grande Guerreiro. E penso também: ou pode ser nada. E então afasto tudo com uma bofetada no ar. Às vezes, não é o pensamento que nos dá a solução.

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