30.9.05

Haverá homens no futuro capazes de ver como eu vejo, de sentir o que sinto? Haverá homens com os olhos e o coração semelhantes aos meus?

29.9.05

Penso: para quê tantas perguntas? Só um espírito desocupado se ocupa com os problemas da dúvida. Contudo, penso também: só a dúvida permite alcançar a certeza. Mas será duvidar, este constante questionar? E penso ainda: haverá alguma coisa certa em mim?

28.9.05

Quando um homem vai até esse ponto nas suas interrogações, acaba por tornar-se perigoso para si próprio. E que perigo haverá maior que aquele que não tem rosto, ou cujo rosto nos é por demais familiar? Ah, sim, eis como nasce o medo — um dos muitos medos que existem.

26.9.05

Detenho-me, por momentos. Respiro fundo. Não temo a antiga voz, não quero temê-la. Não quero temer coisa nenhuma. Se há algum poder maior lá em cima, nas planícies do céu, então eu sou como ele. Sou um nada, é verdade — um grão de areia mole, leve ao vento —, mas é o grão de areia que, com muitos outros iguais a si, faz o deserto.
O próprio céu, visto daqui, parece, ele também, um deserto. Um lugar sem água, com areia azul.

25.9.05

E penso: o espírito de um homem, seja ele o que for, é um deserto. Por isso, é preciso muito trabalho e grande perseverança para que cada homem consiga fazer nascer em si um pedaço de verde, de floresta e rio — de conhecimento e solidez.
Nas terras altas, o gelo é outro deserto. Quando o calor chega, o gelo derrete e transforma-se em água que corre. Assim os homens em crescimento (o deserto em criação): os grãos de areia, unidos, são rochas; o vento sopra, transporta sementes pelo ar, e a rocha abriga-as; e as sementes germinam e brota a vida. Chega a água que corre, seu alimento. Tudo se conjuga para um só fim.
Também o coração de um homem tem de ser rocha, por fora, de modo a poder abrigar, no seu interior, qualquer coisa viva. Água, sangue, vento ou carne, pouco importa: vida. É preciso. É assim que um homem é.

24.9.05

No entanto, pergunto-me: valerá a pena tudo isto?
Mas por certo que vale: nada mais existe.

23.9.05

Estou cansado da minha inquietação. Porque, quando se vive inquieto, não se consegue viver, nem se deixa viver os outros à nossa volta.

22.9.05

Não vou lutar mais. E nisto, o que digo é: não vou procurar mais as lutas. Estou no meu caminho. Todos os caminhos são o meu, e eu estou nele. A luta virá por si. E que venha — serei o último a falar, a partir de agora: nada sabendo, aprendi coisas, e tenho coisas para dizer. Haverá, portanto, um tempo meu, exacto, porque em tudo o que há pode haver também a minha presença. Não, não preciso de águas paradas para me ver nelas, reflectido: consigo ver-me assim mesmo, e reconheço-me transparente. Se os outros em meu redor não o são, não importa. Não importa os outros, mas o que posso ser perante eles. E o que eu posso ser de melhor é eu próprio.
Começo a compreender. Começo a ver o medo como uma espécie de animal — um cavalo selvagem, que é preciso domar antes de montá-lo. Conhecer a serpente foi aprender a arte de domar. Agora, vou cavalgar o medo através do mundo, e vou andar direito, e olhar a direito, porque consegui conquistar o deserto para o meu próprio coração, e estou a construir coisas nele. Estou a conhecer a minha natureza e o meu poder. Não haverá tristeza nem alegria que me desviem disto: de mim. Quem cavalga o medo, cavalga tudo.

20.9.05

E eis que avisto as primeiras montanhas.
De repente, estão ali, longe e já tão perto e longe, e é estranho, porque não sinto nada, nem felicidade nem sofrimento.
A serpente tinha razão: sou louco — ou estou-o. Mas não será a loucura senão o poder de ver a transparência de tudo, até mesmo do que só existe oculto?

19.9.05

Sentar-me-ei, portanto, entre velhos e novos, e aos novos chamarei deserto, e aos velhos gelo da montanha.
E então direi:
“Fui e vim e sei. Que acabem os segredos. Porque entre vós me coloco, eu que sou um vale, um lugar de passagem, um pedaço de todas as coisas que há à superfície e nas profundezas deste mundo”.
E os novos hão-de falar, impulsivos, e hão-de falar, ponderados, os velhos, mas eu saberei permanecer silencioso entre eles, a escutá-los, firme na força do meu conhecimento.
Porque agora sei os lugares impossíveis que eles habitam, e sei o meu próprio lugar. No silêncio absoluto que acabará por se fazer, acrescentarei apenas: “Falem com o meu cavalo; ele também sabe”.
Não entenderão, provavelmente. Mas será sem importância, essa estranheza perante um cavalo sábio: virá o tempo em que eles não poderão fugir mais à verdade que abre a porta de todas as outras.

18.9.05

Vou sair do deserto sem armas. Sou um homem de espírito aberto, de mãos nuas. Venci o veneno.