13.11.05

A faca. Corto-me com ela, nas costas da mão direita: um golpe delgado, curto, superficial. Continuo cego. Mas com os dedos da minha outra mão, sinto o sangue quente, doente, envenenado. O meu próprio sangue. Penso: a faca não sente. Nada. É isto respirar?
Toco o machado, que também nada sente. Toco as flechas, sinto-lhes as pontas aguçadas — a que chamo “mensageiras da morte” — , e toco as penas, na outra extremidade, que servem para lhes dar direcção no voo. Estas penas já pertenceram a aves — animais vivos. Animais que voavam. As flechas não voam. As flechas cortam o ar, vibrantes, zunem, atingem alvos, matam, mas não voam.
Onde se perdeu a minha serenidade? Que respiração é esta?
Agora estico a corda do arco e depois solto-a de novo, como se atirasse. A corda vibra, e esse seu som em movimento, tão especial, sobrepõe-se ao som, à voz do próprio deserto. Aproximo o ouvido. Sim, este arco canta, com a sua alma única — mas a sua canção já não me embala.
De repente, sinto-me absolutamente nu, nu até por baix oda nudez. E, embora com os olhos nada veja, começo a ver tudo. A serenidade regressa, perde-se a importância, a luz basta.