15.1.06

Um dia, sem razão aparente, fiz algo que ainda hoje só o meu coração conhece. Estava na montanha, sozinho, quando vi a águia a passar, uma vez mais. Não pensei, estou certo disso: coloquei uma flecha no arco e, rápido como o pensamento, disparei-a para o alto. Atingi a águia. Corri para ver onde ela caía, e cheguei lá a arfar, mordido pela vegetação magra nas margens do caminho que não havia. Mas nada senti, naquele momento, porque ela ali estava: as penas de prata empapadas em sangue ainda quente, os olhos ferozes de água gelada, as garras hirtas; vencida a meus pés, já morta. O espírito de deus estava morto e ninguém sabia. Recuperei a minha flecha assassina, limpei-a, marquei-a de repulsa, ou prazer, ou susto, e guardei-a. Quanto ao corpo inútil do animal, esse espírito incompreensível, lancei-o, a custo, que pesava quase tanto como eu, para o esquecimento de uma ravina funda, aberta na rocha nua. Mas à noite, e durante muitas luas, os meus olhos andaram baixos. Só na escuridão aquecida da minha tenda, às voltas na procura do sono difícil, me foi possível encontrar algum do conforto e da tranquilidade que precisava. Contudo, nada de mau aconteceu, nem a mim nem aos do meu povo e, com o tempo, a minha dor, a minha culpa, o meu medo, a minha vitória, acabaram por se desvanecer, como se desfaz no ar imenso o fumo que sobe das fogueiras.

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