23.1.06

Muitas vezes, o que parece não é, e o que é não parece. E por isso penso: poderá um homem sozinho dialogar? Ou então: poderá um homem acompanhado dialogar?
Revejo o espírito das minhas memórias mais terrestres, e sinto, através dele, que nenhuma destas questões é tão estranha como à primeira vista possa parecer: uma completa a outra, e ambas têm os seus fundamentos reais.
É que já estive em lugares, ditos civilizados, e vi coisas sem dúvida muito mais estranhas, que me fizeram reflectir e, com essa reflexão, aprender:
havia pessoas a falar sozinhas, e pessoas a falar umas frente às outras
e algumas das que falavam não ouviam, e algumas das que ouviam não falavam
e havia as que não falavam nunca e as que falavam sempre.
Também já estive fechado em lugares vazios e estreitos, e achei-me, de repente, a falar só, comigo, em voz alta; e estou certo de que falava, realmente, porque me ouvia. Sei bem o que estou a dizer. Tudo à minha volta me ensina a escutar, e eu sei: poderosa é a palavra e poderoso é o silêncio, mas os seus poderes assemelham-se, porque palavra e silêncio são uma e a mesma coisa. Assim, tanto podemos dialogar connosco próprios como dialogar com os outros, porque umas vezes nada nos será dito, e outras vezes nada diremos.